Valeria Perasso - BBC - 05/04/2013
[Imagem: Blueseed]
Fora das fronteiras
A região conhecida como Vale do Silício, na Califórnia, Estados
Unidos, é tida como o centro da inovação e radicalismo tecnológico no
mundo. Ali se concentram empresas estabelecidas e também os iniciantes
do setor.
Talento e inovação também parecem estar na ordem do dia na busca de
soluções para empecilhos legais que impedem jovens empresários, com
ambição e boas ideias, de alcançar seus objetivos.
Frustrados com a quantidade limitada de vistos que o governo dos
Estados Unidos concede a cientistas e técnicos estrangeiros, uma dupla
de empresários acredita ter encontrado uma alternativa para o problema:
transferir os laboratórios e oficinas de empresas de tecnologia para o
alto mar.
Dessa ideia nasceu a Blueseed, um barco colônia no meio do Oceano
Pacífico, em frente à Califórnia, onde não vigoram restrições legais
vigentes no território norte-americano.
"Muitas pessoas dizem que querem vir ao Vale do Silício para
trabalhar, têm boas ideias e até dinheiro para investir, mas não
conseguem porque não têm permissões de trabalho", disse Max Marty, um
dos idealizadores do projeto.
Uma estrutura flutuante, a cerca de 25 km da costa, em águas
internacionais, poderia então servir de escala no caminho, um espaço
que abrigaria empresas novatas que precisam contratar especialistas,
quaisquer que sejam seus países de origem.
"Como estão a meia hora de barco do Vale do Silício, o que é
fundamental para reuniões e contatos, os ocupantes do barco poderiam ir
e vir com vistos de visitantes, de negócios ou outro tipo", explicou.
"A ideia é que se beneficiem da vida em comunidade, o que fomentaria a
criatividade e o intercâmbio de informação".
Marty disse esperar que o barco esteja em operação no segundo trimestre de 2014.
Vistos H-1B
Marty - de origem cubana, exilado no início da década de 1960 - teve
a ideia quando fazia mestrado em administração de empresas na
Universidade de Miami.
Ele disse que viu vários de seus colegas de classe estrangeiros
deixando os Estados Unidos, contra sua vontade, após se formarem.
"Muitos gostariam de criar uma companhia aqui, mas não podiam. Se é
difícil conseguir (o visto) H-1B para você mesmo, imagina a dificuldade
para se trazer outros que você queira contratar", explicou o empresário.
As empresas de tecnologia passaram anos fazendo pressão sobre
Washington para conseguir a suspensão do limite de 65 mil vistos anuais
H-1B para trabalho temporário especializado.
Cada ano, os vistos que o governo federal distribui se esgotam em
questão de semanas - em 2012, eles se esgotaram dez dias após a
abertura das inscrições, segundo o Instituto Brookings.
"Faz falta encontrar modelos para criar de maneira mais livre", disse o empresário.
Marty e seu sócio Darío Mutabdzija basearam sua Blueseed em uma
ideia do TSI (sigla em inglês do Insituto Seasteading), uma organização
que promove o desenvolvimento de cidades inteiras no oceano.
Filosofia libertária
Os pesquisadores do instituto se inspiram na filosofia libertária e
dizem acreditar que os territórios do futuro ficarão em águas
internacionais e serão autossustentáveis e autogovernados.
Essa ideia já provocou debates em publicações como Time e Economist.
Por trás dela está Patri Friedman, ex-engenheiro do Google e neto do
economista Milton Friedman.
Também estão envolvidos na criação do conceito o especialista em
engenharia naval George Petrie e o criador da empresa de pagamentos
pela internet Peter Thiel - que tem grande interesse e investe em
colônias flutuantes.
A Blueseed deverá ser, portanto, a primeira materialização das ideias do TSI.
Seus idealizadores afirmaram que a localização da colônia - a 20
quilômetros a sudoeste da baía de São Francisco - será uma vantagem
estratégica para manter a instalação conectada com o Vale do Silício.
Eles esperam abrigar cerca de mil trabalhadores de 360 empresas e 65 países distintos.
"Muito cedo decidimos contatar nossos clientes em potencial e
incorporá-los no processo de desenvolvimento. Logo filtramos as
empresas que não nos interessavam, devido a seu modelo de negócios ou
porque não funcionariam a bordo", disse Marty.
Para resolver as questões técnicas, o grupo usará as experiências de
outros projetos flutuantes, como plataformas de petróleo, porta-aviões
ou cruzeiros transoceânicos - nos quais uma comunidade têm que conviver
em um ambiente isolado por períodos longos.
Os idealizadores do projeto ainda precisam arrecadar entre US$ 10 e
US$ 30 milhões em investimentos até seu lançamento. Eles disseram que
ter o apoio do fundador da PayPal é um passo-chave para isso.
[Imagem: Blueseed]
Comunidade flutuante
Mas o plano de viver em alto mar custará caro para os
empreendimentos tecnológicos que se tornarem inquilinos do complexo -
cerca de US$ 2.000 por mês por pessoa.
"A vida no oceano é cara se comparada à vida em terra. É preciso
levar comida e há questões de segurança, energia e comunicação",
afirmou Marty.
Contudo, o maior desafio pode ser um eventual confronto com
autoridades norte-americanas. O Escritório de Alfândegas e Proteção
Fronteiriça não comentou o projeto.
Isso porque o projeto é uma espécie de atalho para evitar leis
federais dos EUA - na medida em que deixaria uma comunidade de
estrangeiros vivendo próximo da costa californiana com a clara intenção
de trabalhar, ainda que indiretamente, na indústria tecnológica.
Há ainda a possibilidade de que a reforma migratória norte-americana
- um tema urgente na política do país - forneça uma solução antecipada,
aumentando a disponibilidade de vistos para estrangeiros especializados.
O presidente Barack Obama declarou em fevereiro que uma "reforma
real" deveria considerar "os trabalhadores altamente qualificados e
engenheiros que ajudarão a fazer crescer a economia".
Os idealizadores do projeto dizem não acreditar que uma reforma
acabe com o complexo antes mesmo de sua construção. "Não temos muitas
esperanças de que isso (o aumento de vistos) ocorra no nível que falta.
Mas se ocorrer, muitas empresas se sentem motivadas pelo conceito de
compartilhar e trocar ideias em uma comunidade flutuante".